segunda-feira, 21 de julho de 2014

Carta de Repúdio

Diante da pergunta que o DEPUTADO EDUARDO CUNHA fez: “Se pedreiro trabalha 44 horas semanais, por que a enfermagem, quer 30 horas?”, eu tive a liberdade em respondê-lo e publico minha carta:

Boa noite, Sr Deputado Eduardo!

Meu nome é Ana, eu sou enfermeira e tirei parte do meu precioso tempo, para responder à sua pergunta: “Se pedreiro trabalha 44 horas semanais, por que a enfermagem, quer 30 horas?”

Compreendo que o senhor já obteve o retorno de muitos colegas, mas eu peço a gentileza que o senhor não desfaça do meu tempo, e leia minha resposta até o fim, pois eu lhe darei a oportunidade de compreender nossa solicitação. Eu já li sua carta de manifesto. Desde já, agradeço!

Não conheço o senhor e menos conheço seu estado de saúde. Logo, não sei a frequência com que o senhor precisa ser atendido em uma unidade de saúde e ainda com necessidade de hospitalização.

Felicita-me imaginar que o senhor não tenha precisado de tratamentos de saúde, logo não tenha dessa forma, a vivência de observar o trabalho de enfermagem.

Eu respeito e valorizo o trabalho do pedreiro, assim como respeito o trabalho do padeiro, da faxineira e do deputado, dentre outros.

Nosso cotidiano, senhor deputado, em uma proporção/comparação muito diferente, também necessita de força física, característica principal do nosso colega pedreiro. Nós carregamos pessoas, damos banho, mudamos pacientes de posição e fazemos por ele o que seu momento de gravidade o impossibilita de fazer. Nosso grande problema, não trata-se tão somente do desgaste físico, senhor deputado.

Ocorre que diferente, do dado mensurável, como por exemplo “quantidade de cimento que um pedreiro deve colocar em um tijolo para grudar um no outro”, nós não mensuramos/ calculamos/ dominamos carga emocional que vamos dispensar cada vez que um paciente nos chamar (independente da hora) para sanar sua dor, para melhorar sua náusea, para ajudar-lhe a alimentar-se, para trocar sua roupa e muito menos a carga emocional quando um paciente não conseguir nos chamar mais porque já está em situação extrema de vida e inclusive, o desgaste que sofremos quando precisamos preparar um corpo para ser velado, isso depois de tanta dedicação para manter-lhe vivo. 

Não aprendemos em faculdade, em cursos técnicos, uma forma de separar e desfazer o nosso envolvimento. E sinceramente, que bom que nos envolvemos! É isso que nos garante um elo entre nós e os pacientes, que o senhor também vai entender. Já lhe explico! Todos nós, muito provavelmente, um dia necessitaremos de atendimento de saúde. E se um dia, o senhor tiver sua saúde também em minhas mãos, vou desde já, lhe garantir que lhe atenderei com responsabilidade, com conhecimento, com postura e educação. 

Exatamente tudo, o que meu contrato de trabalho me obriga. Mas, mais importante que isso, lhe atenderei com carinho e com amor. Independente da hora que o senhor precisar do meu atendimento, seja para ouvir suas angústias, seja para acalmar sua dor, lhe ajudar numa refeição ou trocar sua roupa, eu vou lhe demonstrar solidariedade e compaixão. Farei isto porque sou o que sou porque eu quero. Eu escolhi ser enfermeira. Mas, é importante que o senhor saiba que quando finalizar meu plantão, meus desgastes físicos e emocionais não vão ficar para trás. Vou leva-los comigo, seja para minha casa, seja para meu outro plantão.
Cada categoria, senhor deputado, tem suas peculiaridades.

A necessidade da minha categoria é a redução da carga horária de trabalho, porque estamos adoecendo. Há uma infinidade de trabalhos publicados em bases de dados confiáveis abordando o impacto físico e emocional do trabalho de enfermagem.

Nossa forma de atendimento não pode ser modificada porque é preciso força física, conhecimento, envolvimento e amor, mas a carga horária a que dedicamos nosso trabalho pode ser reduzida, se pessoas que nos representam, como o senhor, entenderem a NOSSA necessidade.

Li que o senhor citou que: “Infelizment
e, os que a mim atacam não querem convencer, mas sim tentar constranger para que eu mude minha opinião. Acham que ao me atacarem nas redes sociais em época de eleição me deixarão com medo e me obrigarão a mudar a posição.”

Por que o senhor interpreta nossos manifestos como um ataque?
Por que o senhor interpreta que nosso objetivo é “obrigar-lhe” a mudar de posição?

Como o senhor mesmo, citou “a democracia permite que possamos ter opinião divergente”

Responda-me também, por favor se seus argumentos de que “as Santas Casas não aguentariam e o custo dos hospitais aumentará e logo aumentará também a mensalidade dos planos de saúde” são na íntegra um problema da minha categoria?

O senhor está querendo dizer que a NECESSIDADE da minha categoria não pode ser atendida pelas consequências que o senhor julga que ocorrerá? 

Logo a enfermagem que continue sofrendo o que sofre, para que dessa forma, as santas casas continuem funcionando (independente do desgaste dos profissionais), e que os planos de saúde não sofram reajustes??

Puxa...

Por fim, senhor deputado, não quero obrigar-lhe a mudar sua opinião. Já agradeceria imensamente se o senhor compreendesse nossas necessidades e peculiaridades a ponto de lembrar o que o senhor escreve abaixo de seu nome: “Afinal de contas, nosso povo merece respeito”.

Dessa forma, sinto-me a vontade para exigir-lhe respeito à minha categoria. Não sinta-se à vontade para comparar nosso trabalho incomparável à nenhuma profissão. O que é nossa vivência é só nossa.

Eu aguardo seu retorno.


Enfermeira Ana Flávia Aureliano

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